A Igreja inicia um novo tempo litúrgico com o Advento Conferimos o calendário, as agendas de todos os tipos e organizamos o uso do tempo. De acordo com as estações do ano, nos hemisférios norte e sul, convivemos com a diversidade de climas e temperaturas, determinamos nossos períodos de trabalho e de descanso, fazemos as nossas escolhas. O ano civil vai de janeiro a dezembro e as normas dos diversos países determinam os prazos para prestações de contas, impostos, vigência das leis, e daí por diante. Com todos os limites existentes, mas o nosso mundo tende a normatizar a convivência, estabelecendo regras e propondo o necessário respeito às pessoas e grupos. Seria muito bom que tudo funcionasse assim, as leis fossem respeitadas, a “máquina” funcionasse bem. Sabemos que nem sempre a letra corresponde à realidade vivida, mas estamos buscando um mundo possível e adequado, para as diversas porções da humanidade. Para fecundar o tempo humano, a experiência da fé tem o seu centro, não na natureza, com seus ritmos, e nem mesmo na capacidade organizativa da sociedade. Para a Igreja, o tempo é marcado por alguém e não por coisas ou normas acordadas na sociedade. O eixo do tempo cristão tem um nome, Jesus Cristo. Também a sociedade, mesmo as pessoas que não têm fé, acabam referindo-se ao seu nascimento no tempo, para datar os acontecimentos. E mesmo antes do ano civil terminar, já é ano novo para a Igreja e para os cristãos, para percorrer, uma vez mais e de forma sempre renovada, os mistérios de Cristo. Eles nos encontrem crescidos e dispostos a testemunhar a fé cristã com maior ardor. Ano litúrgico A organização do chamado Ano Litúrgico, que começa neste domingo, aconteceu paulatinamente, segundo a consciência adquirida do mistério de Cristo e da adesão a Ele. No primeiro período da Igreja, a Páscoa foi o único ponto central da pregação, da celebração e da vida cristã. O culto da igreja nasce da Páscoa e para celebrar a Páscoa. Tudo é visto no centro e a partir do centro, e este centro é o acontecimento do Cristo morto e ressuscitado. No começo, portanto, tudo está centrado neste único mistério, atualizado no presente da celebração. A Igreja primitiva não celebrava “os mistérios” de Cristo, mas “o mistério”, ou seja, a Páscoa, como acontecimento que resume e faz valer para a nossa salvação todo o conjunto da vida e da ação salvífica de Cristo. Nos primeiros três séculos da vida da Igreja prevaleceu o critério místico da “concentração” sobre o critério cronológico da “distribuição”, que entrou nos séculos seguintes. Assim por exemplo, na segunda parte do século II, Melitão de Sardes, repetindo um conceito, já manifestado antes por São Justino, afirma: “Cristo é a Páscoa da nossa salvação”. A celebração do mistério pascal está no centro da “memória” que a Igreja celebra do seu Senhor. Esta celebração se realiza, desde o princípio, toda semana. As assembleias cristãs sempre se reuniram, como fazem até hoje, no primeiro dia da semana para a “Fração do Pão”, que foi o primeiro nome da Celebração Eucarística. Este dia recebeu logo um nome novo “o dia do Senhor”, “Domingo”, que lembra aos cristãos a ressurreição de Cristo, une-os a ele na sua Eucaristia, encaminha-os para a espera da sua vinda, no fim dos tempos. O domingo é a espinha dorsal do ano litúrgico inteiro, do qual é fundamento e núcleo. No domingo existe a festa cristã na sua integralidade, e no decurso do ano litúrgico são explicitados os aspectos da totalidade desta festa primordial. A Páscoa anual até hoje continua celebrada com a “vigília” solene, na passagem de Cristo, da morte para a ressurreição. Ao redor desse núcleo primitivo vai-se constituindo o “tríduo sagrado”, que se inicia na quinta-feira santa, depois celebra a morte de Cristo (sexta-feira santa), a sua sepultura (sábado santo) e a sua ressurreição (domingo com a grande vigília), a Páscoa celebrada em três dias. A solenidade pascal vai-se prolongando numa festa de cinquenta dias, até o “Pentecostes”. Depois se acrescentaram outros elementos que fazem parte da rica experiência do Tempo da Igreja, até que se compôs o que chamamos de Ano Litúrgico, Ano de Deus, Ano da Igreja, Ano dos cristãos. No século IV, para suplantar a festa pagã do “Natalis solis invicti” e para confirmar a fé no mistério da encarnação, surgiu a celebração do Natal. No início, Natal, no Ocidente, e Epifania, no Oriente constituíram uma celebração que tinha um único e mesmo objeto, a encarnação do Verbo, ainda que com tonalidades diferentes. O “Advento”, como preparação ao Natal, é próprio do Ocidente cristão, e é nele que estamos para adentrar e viver as quatro semanas intensas de oração e crescimento, olhando para a vinda do Senhor no fim dos tempos, sua presença no tempo cotidiano de nossa vida cristã e a memória de seu Natal no tempo, quando o Verbo de Deus se fez Carne. Advento No Advento que se inicia, tem lugar a virtude da esperança, cujo conteúdo não se reduz em aguardar coisas boas para o dia de amanhã, mas a certeza de que nossa vida tem rumo, destino certo, tem sentido. Recordemos que esta, ao lado da fé e da caridade, é uma virtude teologal, presente de Deus concedido no Batismo. Se está dentro de nós por dom de Deus, é hora de atualizá-la, de forma a oferecer à nossa geração esmorecida justamente na esperança, um sentido renovado para os gestos, atitudes e passos a serem dados. A Liturgia da Igreja, em tempo de Advento, oferece-nos ainda elementos preciosos para uma boa revisão de vida, pautada não tanto no espelho, mas à luz de Jesus Cristo e sua Palavra, para que o nosso seja um Tempo de Deus. A partir da virtude da Esperança, podemos acolher o convite a viver “em estado de Advento”, não fechados nos acontecimentos cotidianos, que tantas vezes nos afogam, mas abertos para as promessas de Deus, conscientes de sua presença salvadora, prontos anunciar a alegria aos outros, superando o